segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vale mais o alfabeto do que o caráter?

No Brasil fala-se muito em corrupção política construindo-se uma ideia equivocada de que a corrupção limita-se ao meio político-partidário. O maior e mais eficaz meio de divulgação e fiscalização dos episódios de corrupção seria a grande mídia ou mídia de massa. Grande é a legitimidade auto propagada pelos meios de comunicação a si próprios, através de discursos adjetivados de termos como “imparcialidade”, “verdade”, “isenção”, entre outros que levam aos mesmos significados.

Existe uma tendência a crer que corrupção venha a existir em qualquer ação, grupo ou relação humana. Assim, tanto na política, como na religião, como na educação, como na mídia, o ser humano tende a realizar ações que venham a destruir ou alterar a essência das coisas, sendo esta a conotação filosófica para corrupção.

É justamente essa última, a mídia, que parece desconsiderar a possibilidade dela própria, de agir de forma corrupta, pois ela se auto declara o arauto da liberdade de expressão, da verdade e consequentemente a face imaculada do processo democrático, acima de qualquer suspeita. Tal posicionamento parece ser no mínimo ingênuo para não falar presunçoso. Há de se pensar que a mídia também é corrupta no momento que perde o rótulo da imparcialidade, e ainda, se reveste de preconceitos contra as vítimas das mazelas sociais.

O primeiro rótulo a ser questionado chama-se imparcialidade, uma vez que não causa nenhum susto afirmar que a grande mídia no Brasil, sendo propriedade de um punhado de famílias poderosas, apresenta-se totalmente tendenciosa politicamente, com forte viés de direita e ideologicamente elitista, contaminada com toda uma carga de preconceitos emanados das classes econômica e politicamente dominantes.

Um real exemplo de visão preconceituosa combinada com estratégia de manipulação emerge com os ataques feitos por algumas revistas, jornais, rádios, etc, contra o humorista Tiririca que candidatou-se a deputado federal pelo Estado de São Paulo. Revistas semanais de tendências de direita, têm veiculado reportagens em que questionam o grau de instrução do candidato Tiririca, uma vez que candidatos analfabetos são inelegíveis por lei. Tão grande a importância dada a esta possibilidade que o humorista virou reportagem de capa da revista Época.

Interessante, para não dizer preocupante é o fato dos nomes dos políticos com candidaturas barradas pela Lei da Ficha Limpa, também não figurarem em reportagens de capa das principais revistas semanais. Por que a mídia não mostra os nomes das dezenas de fichas sujas que estão se candidatando? Por que não mostra seus rostos, suas acusações, seus processos? Por que a mídia pegou para bode expiatório justamente o Tiririca? Seria pelo fato dele provavelmente não saber ler ou escrever? Ou seria puro preconceito em relação aos iletrados, vítimas de letrados corruptos que roubaram e roubam o dinheiro destinado a escolas, creches, casas populares, merenda escolar, transporte escolar, etc? Por que a mídia insensível dificulta mais a vida de quem vem de baixo, que não teve provavelmente oportunidade de estudar em virtude da corrupção de outrora?

As mentes que vomitam contra Tiririca seriam as mesmas que continuam vomitando contra o nordestino sem nível superior que chegou a presidência e por isso, foi questionado se teria condições de governar um país como o Brasil?

O que seria mais importante para a mídia mostrar nas capas das revistas de maior venda, o caráter ou o grau de instrução de um candidato? Seria o baixo grau de instrução um fator de corruptibilidade? Se assim for, por que os intelectuais, letrados, doutores, escritores, acadêmicos, etc, parecem tão facilmente vulneráveis a sucumbirem às propostas de corrupção?

Vale mais o alfabeto do que a honestidade e o caráter?

É essencial ser alfabetizado para não se corromper? Então por que a grande maioria dos corruptos de carteirinha, que roubam de forma desavergonhada o povo, são em grande maioria intelectuais, muitos deles com com ampla formação acadêmica?

Em fim, defender enfaticamente o papel dos meios de comunicação na construção e consolidação do processo democrático, desde o acompanhamento, à fiscalização, à denúncia e à conscientização da população é essencial e salutar, no entanto, desde que a atuação desta mídia esteja também sujeita a uma análise crítica e à críticas quando assim for entendido, pois ninguém e nada está acima de qualquer suspeita e todos devem fiscalizar-se uns aos outros.

Fernando Carneiro

sábado, 25 de setembro de 2010

Uma forma de violência quase imperceptível

Pierre Bourdieu criou o conceito de “violência simbólica” caracterizando-o pela elaboração de crenças e ideologias que induzem os indivíduos e grupos a posicionarem-se no espaço social de acordo com os interesses do discurso dominante, servindo para a manutenção, reprodução e legitimação das relações de controle e dominação. Tal violência sendo executada, inclusive, através dos discursos político e religioso.

O discurso religioso tende a produzir e reproduzir violências simbólicas, como a homofobia, o racismo, o machismo e a intolerância religiosa.

Como o mais recente exemplo de violência simbólica religiosa tem-se a intenção de um pastor dos EUA de queimar o Alcorão (livro sagrado do Islã) em suposto protesto ao ataque terrorista de 11 de setembro.

Já o discurso político, proferido pelos políticos profissionais, jornalistas, acadêmicos, escritores, etc., utiliza-se dos meios de comunicação de massa e dos discursos públicos, visando promover valores político-ideológicos de interesses diversos.

Como exemplos de violência simbólica política, tem-se os discursos proferidos na propaganda obrigatória eleitoral e as vergonhosas tentativas de explicação dos casos de denúncias de corrupção envolvendo a classe política, a classe empresarial e outros segmentos da sociedade.

Visando contribuir para a reflexão sobre o tema, apresenta-se o pensamento de Van Dick, quando afirma que o abuso de poder, através da manipulação do discurso, seja político ou religioso, tende a estabelecer uma relação entre dominadores e dominados, podendo levar à manipulação das idéias e, indiretamente, a uma manipulação das ações das pessoas, onde estas seriam ao mesmo tempo cúmplices e vítimas de tais violências.

Pr. Fernando Carneiro

Eleições Brasil 2010

No próximo dia 03 de outubro, o Brasil irá às urnas para escolher seus “representantes políticos” para o mandato de 2011 a 2014. Diante de tal evento democrático surge um questionamento: Até que ponto esses pretensos “representantes do povo” utilizam-se do poder a eles delegado, para agirem politicamente em benefício dos interesses e das necessidades da população brasileira, especialmente dos mais pobres?

Hannah Arendt, uma filósofa judia, alerta que o agente político (aquele que executa a ação política) teria a obrigação de agir em função do público (coletividade) e não do privado (particular), no entanto, raríssimos são tais exemplos na política profissional brasileira, na verdade, o que se constata é o inverso desta tendência, ou seja, a maioria dos agentes públicos utilizam-se do poder a ele(a)s delegado para garantir seus próprios interesses particulares, em detrimento dos interesses e necessidades da coletividade, que através do voto, os coloca no poder.

Em função dos escândalos de corrupção e da propaganda eleitoral, o povo boquiaberto e estático assiste aos mais hipócritas e mentirosos discursos vomitados pelos políticos profissionais. Van Dijk, autor do livro “Discurso e Poder”, denuncia como abuso de poder, o discurso político que tende a legitimar as formas de dominação que resultam em desigualdade e injustiça sociais, sendo tal discurso uma forma de controle sobre as mentes e consequentemente sobre as ações da maioria da população.

Concluindo, segue o apelo para que todos os brasileiro(a)s venham a utilizar o voto (uma ação política) de forma consciente, observando a realidade ao seu redor, como parâmetro de avaliação daquele(a)s a serem eleitos para os próximos 4 anos de governo, além de procurar escolher candidatos que não estejam envolvidos em corrupção. Voto é poder. Votar, fiscalizar e cobrar do agente político são ações complementares na construção de uma democracia. O voto é a principal arma do cidadão contra a corrupção.

Pr. Fernando Carneiro
Texto Editorial do boletim da Igreja Evangélica Antioquia (IEA), de 26 de setembro de 2010
Salvador-BA

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Religiões de matriz africana e indígena na caserna

          Ainda hoje, em muitos segmentos da sociedade, o desconhecimento e a discriminação acerca das religiões de matriz africana e indígena são responsáveis pela resistência, ainda muito forte, à atividades de culto ou de estudo de tais expressões religiosas em diversos espaços ou grupos sociais.

          Todo grupo social apresenta-se como um extrato da sociedade, em todos os seus aspectos: cultural, religioso, ideológico, político, social, etc., sendo assim, carrega consigo as construções dominantes da mentalidade popular. No tocante à religião, tal característica se faz presente na reprodução de um discurso de legitimidade, veracidade e supremacia de alguns segmentos religiosos em detrimento de outros, sendo que a estes últimos são imputados títulos como ilegítimos, falsos e inferiores.

          A primeira consequência negativa desse discurso de hierarquização do pensamento e da experiência religiosa é a negação de direitos fundamentais como a liberdade de crença, de expressão e de culto, a algumas expressões religiosas existentes no Brasil, contribuindo assim, para a solidificação de tais visões equivocadas que vêm vitimar, principalmente, as religiões minoritárias. No Brasil, as religiões que mais sofrem as supracitadas consequências negativas são as religiões de matriz africana e indígena, a exemplo dos Candomblés, da Umbanda, do Santo Daime, etc. Alguns estudiosos, inclusive, defendem que aquilo que pode ser identificado como discriminação religiosa está intrinsecamente associado à ideia de discriminação racial ou étnica.

          Por força da iniciativa e organização de alguns grupos de fiéis das citadas religioes vitimadas, assim como, de estudiosos, religiosos, intelectuais, políticos, agentes públicos, instituições e do próprio povo, alguns avanços e conquistas têm sido alcançados em diversos segmentos da sociedade, inclusive nos mais tradicionais e conservadores, fruto de um diálogo mais aberto e diplomático, junto a tais segmentos, impulsionado pela mentalidade crescente que vem favorecendo o entendimento e o reconhecimento da diversidade e da pluralidade da cultura brasileira, desde o seu nascimento, com importantes contribuições culturais das sociedades européias, africanas e indígenas brasileiras, na formação da cultura e da religiosidade da nação brasileira.

          Um grande exemplo dessas conquistas referentes às expressões religiosas minoritárias foi a criação e atuação do Núcleo de Religiões Afro-brasileiras da Polícia Militar da Bahia (NAFRO-PM-BA). Este núcleo pensado e nascido dentro de uma institução do goverso estadual, a partir do diálogo com comando e demais integrantes da corporação representa hoje uma quebra de paradigmas, enaltecendo a vontade institucional de promoção do respeito à diversidade religiosa da população brasileira e ao mesmo tempo, demosntranto o compromisso com a garantia dos direitos fundamentais preconizados na Constituição Brasileira de 1988.

          A partir do NAFRO-PM-BA verificou-se a possibilidade de diálogo dentro de outras instituições consideradas mais tradicionais e conservadoras, a exemplo das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), com a finalidade de alcançar o mesmo entendimento ocorrido na Polícia Militar da Bahia, referente a abrangência das atividades de assistência religiosa ao público das religiões afro-brasileiras e indígenas. Os resultados dos primeiros diálogos apresentaram-se extremamente positivos demonstrando uma postura de acolhimento à proposta de garantir assistência religiosa ao público supracitado, assim como, de um ambiente para o estudo e a reflexão.

         O mais novo exemplo de resultado positivo e pioneiro nessa perspectiva religiosa vem do Exército Brasileiro em Salvador, que após um diálogo entre militares e servidores civis candomblecistas, umbandistas e estudiosos do fenômeno religioso, com o escalão de comando daquela Força Armada, por intermédio da Capelania Militar, conseguiu-se a autorização de implementação de um grupo de estudos das religiões de matriz africana e indígena no âmbito da 6ª Região Militar (estados da Bahia e Sergipe), encontrando-se ainda em formação, garantindo assim, os mesmos direitos de reunião, estudo e culto já usufruídos pelos públicos católico, evangélico e espírita, no ambiente da caserna. Tal formalização da extensão das atividades religiosas ao novo público foi considerado um avanço na conscientização a cerca do respeito pelas diferenças culturais e religiosas da população brasileira.

         Concluindo este raciocício, alguns fatos mostram que tem-se avançado de forma significativa em prol do respeito pelas diferenças culturais e principalmente religiosas no Brasil. Faz-se importante destacar que a expressão religiosa junto com a língua são consideradas fundamentais para a manutenção das identidades culturais e da memória dos povos, por esse motivo deve-se construir um esforço conjunto pelo diálogo na sociedade visando o avanço de tais políticas que propiciem os mesmos direitos a todos os grupos religiosos de manifestarem seu pensamento, da mesma forma, que as pessoas que se declararem sem religião, a-religiosas ou atéias, devem também, ter suas opções respeitadas. Tem-se consciência que ainda existe um longo caminho a ser conquistado, mas pouco a pouco os obstáculos vão sendo vencidos.

Fernando Carneiro

domingo, 19 de setembro de 2010

O racismo está nas raizes da intolerância religiosa no Brasil ?

                  Sobre o título desta indagação, o pensamento de Kabengele Munanga, (2006, p. 175), quando afirma: “A discriminação ‘cultural’ vem a reboque da física, pois os racistas acham que ‘tudo que vem de negro, de preto’ ou é inferior ou maléfico (religião, ritmos, hábitos, etc.)”, vem reforçar o argumento de que o racismo encontra-se nas raízes da intolerância religiosa, na medida em que se compreende que as religiões de matriz africana constituem-se na principal expressão da identidade negro-africana.

Nessa construção de Munanga, referindo-se ao preconceito racial no Brasil, defende-se que a discriminação racial é direcionada fundamentalmente às características físicas do não branco, especificamente, da população negra. Neste mesmo raciocínio, afirma-se que tal preconceito transcende aos caracteres físicos da pessoa negra (cor da pele, formato do nariz, lábios, tipo de cabelo, etc.), abrangendo em particular, as culturas negras ou africanas em toda a sua pluralidade de expressão.

Partindo-se da premissa que a expressão religiosa1 é a maior representação da cultura e identidade de um povo, exclui-se assim, quaisquer dificuldades de entendimento, para se chegar à conclusão que a intolerância religiosa, em relação às religiões de matriz africana no Brasil, por parte da sociedade brasileira de maioria cristã, apresenta cunho ideológico racista, com suas raízes na sociedade escravocrata estabelecida desde o século XVI e, que permanece no inconsciente coletivo do povo brasileiro, até os dias de hoje.

               Historicamente, no Brasil, as religiões afro-brasileiras, desde o princípio, foram associadas ao mal e, peculiarmente, consideradas como culto ao demônio, feitiçaria, magia maléfica, idolatria, etc. Tais conceitos de sentidos pejorativos tinham sua razão de ser, simplesmente, porque eram aplicados às expressões religiosas dos negros escravizados, portanto, de acordo com a ideologia racista, inferiores ou maléficas, uma vez que, havia a necessidade de reprodução e manutenção das relações sociais de poder, que legitimava a sociedade racista e escravocrata daquele período, como adverte Junia de Vilhena:

“Designar aos negros atributos demoníacos possibilitou que a escravidão fosse tomada como forma de redenção já que se fossem vítimas ou agentes de Satã os africanos não poderiam ser abandonados sem a tentativa de livrá-los da influência do maligno.” (VILHENA, 2007, p. 12)

Concluindo, hoje a sociedade brasileira não é mais escravocrata no sentido literal da palavra, entretanto, ainda mantém uma estrutura racista. Tal afirmação é comprovada, segundo Kabenguele Munanga, pelos dados estatísticos quando apontam que a profunda desigualdade de renda caminha lado a lado com a desigualdade racial no Brasil (2006, p.172,178).

Notas
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1 Manifestações de ordem religiosa que têm seu veículo na simbologia da linguagem, na literatura, na arte, em rituais variadíssimos, nos corpos doutrinários e em modelos de vida.

Referências

MUNANGA, K, K. GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil hoje. Coleção Para Entender, São Paulo: Global, 2006.

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Uma breve leitura sobre a Umbanda

A Umbanda é considerada uma religião brasileira, formada no início do século XX, com fortes influências doutrinárias de religiões preexistentes no Brasil, como o espiritismo kardecista, o catolicismo, as religiões ameríndias e de matriz africana, predominantemente, banto1. Ficou popularmente conhecida como Macumba, que segundo Yeda Pessoa é uma palavra de origem banto:

MACUMBA (banto) 1. (ºPS) –s.f. denominação genérica para as manifestações religiosas afro-brasileiras de base congo-angola, que incorporaram orientações ameríndias, católicas e espíritas, com predominância do culto ao caboc(l)o e preto-velho. Prevaleciam no Rio de Janeiro e, ainda hoje, nas zonas rurais. Cf. candomblé, umbanda. Kik./Kimb. makuba, reza, invocação.
2. (ºBR) –s.f. sessão de feitiçaria, de magia-negra; despacho. Ver quimbanda. Cf. macumbe(i)ro.
3. (ºBR) –s.f. denominação popular das manifestações religiosas afro-brasileiras no Rio de Janeiro e em zonas rurais de várias regiões brasileiras. (2005, p. 270, grifo do autor)


Ratificando a influência de matriz africana banto1, na Umbanda, Vagner Silva (2007b, p. 34) defende que: “As fontes afro-brasileiras da umbanda foram sobretudo as práticas bantas, nas quais o termo já aparecia”. Uma das características fenomenológicas da Umbanda, considerada de origem banto, é a associação das entidades espirituais às figuras cotidianas populares, ainda, na leitura de Vagner Silva:

Na umbanda preservou-se uma característica das religiões de origem banto, a de ser um sistema aberto à incorporação de influências locais, como o culto aos caboclos (espíritos ameríndios), aos santos católicos e a outras entidades de origem popular brasileira (GONÇALVES, 2007b, p.34, grifo nosso)

A Umbanda pode ser concebida como uma forma de expressão religiosa fortemente sincrética. Pode ser considerada tanto brasileira como afro-brasileira, de acordo com o pensamento de Solange Vaini, quando afirma que:

Podemos definir a Umbanda como uma religião brasileira, influenciada pelo catolicismo, pelo espiritismo de Kardec, pela cultura ameríndia e africana. Como possui fortes elementos da última, facilmente identificáveis, é considerada também como uma religião afro-brasileira, que pode designar uma série de práticas, com raiz nas religiões oriundas dos negros africanos, que para cá foram trazidos como escravos. (VAINI, 2006, p. 1, grifo nosso)

A Umbanda, também pode ser considerada uma religião universal, ou seja, uma religião que se oferece para todos, pois, segundo Reginaldo Prandi (2004, p. 51), teve origem da migração dos candomblés banto e de caboclo, da Bahia para a região sudeste, incorporando o espiritismo kardecista, se disseminado por todo o Brasil e, ainda, pelos países do cone sul.

Conclui-se então, que a Umbanda, constitui-se numa religião formada no Brasil, particularmente no sudeste do país, com influências sincréticas do catolicismo, candomblé banto, candomblé de caboclo, de religiões ameríndias e do espiritismo kardecista. Numa análise fenomenológica, a Umbanda é uma religião de transe (incorporação/possessão), crendo na reencarnação e evolução espiritual, pregando a idéia da caridade. Concebe um Deus criador, intermediado por guias, que são os espíritos dos mortos (desencarnados), sendo os dos mais conhecidos, o preto-velho e o caboclo, existindo ainda no panteão umbandista, os orixás, o jogo de búzios e os santos católicos (SILVA, 2007, p. 34).

Nota
________________________
1 Grupo lingüístico africano, subsaariano (abaixo do Deserto do Saara), composto de várias línguas; os povos banto, ficaram conhecidos genericamente no Brasil, como congo-angola.

Referências

PESSOA DE CASTRO, Yeda (2005) - Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras/ Topbooks Editora. 2005, 365 p.

PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 52, p. 51-66, 2004.

SILVA, Vagner Gonçalves da. Terreiros de Candomblé: como surgiram e se organizaram os locais de culto, com seus ritos, músicas, cantos e danças coletivas, a princípio só para negros. História Viva Grandes Religiões. Cultos Afros. Duetto Editorial: São Paulo, n. 6, p. 28-33, 2007.

VAINI, S. S. . Um olhar sobre a Umbanda: memoria e aprendizagem num terreiro de São Paulo. Espaço Plural (Unioeste), v. 14, p. 18-19, 2006.

A educação como meio de conscientização sobre o respeito à diferença

Através do engajamento político dos integrantes da sociedade brasileira, entre eles o movimento negro, que entendem a educação como a principal forma, não a única, de promover a conscientização pelo respeito e dignidade das diferenças étnico-culturais e, por consequência, das distintas religiões, lutou-se junto às classes políticas, em prol da promulgação de leis que viessem a regulamentar tais ações afirmativas.

Como exemplo, pode-se citar a Lei 10.639, de 09/01/03 (Altera Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências), na expectativa de valorização da história do povo negro e afrodescendente, assim como da contribuição da cultura africana na formação da cultura brasileira:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
(BRASIL, 2003, p.1)


Após implementação da Lei 10.639, acordou-se no meio popular, jurídico e legislativo, da necessidade de incluir, na mesma perspectiva de valorização étnico-cultural e religiosa, as sociedades indígenas brasileiras, reconhecendo-se suas contribuições para a cultura brasileira e conscientização nacional acerca da sua importância, promulgando-se então, a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, em substituição e/o complementação à Lei 10.639:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
(BRASIL, 2008, p. 1)

As intenções das leis acima citadas, refletem o pensamento de Kabengele Munanda (2006, p. 11), sobre a diversidade da cultura brasileira, formada por diferentes culturas, sendo que, o povo brasileiro para conhecer sua verdadeira identidade cultural, em termos religiosos, artísticos, musicais, culinários, entre tantos outros aspectos, necessita conhecer a história e a cultura dos povos que formaram a cultura brasileira, defendendo que : “Aprender a conhecer sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a cultura de vários povos que aqui se encontram e contribuíram com suas bagagens e memórias na construção deste país e na produção da identidade brasileira” e, afirmando ainda:

De modo geral, o povo brasileiro é oriundo de quatro continentes: América, Europa, África, e Ásia. [...] É por isso que o Brasil, como país e como povo, oferece o maior exemplo de encontro de culturas e civilizações. [...] Por essa razão, aprender a conhecer o Brasil é aprender a conhecer a história e a cultura de cada um desses componentes para melhor captar sua contribuição na cultura e na história do país. (MUNANGA, 2006, p. 17).

Portanto, defende-se, que através do engajamento político dos integrantes da sociedade brasileira, que a educação representa a principal forma, não a única, de promover a conscientização pelo respeito e dignidade das diferenças étnico-culturais e, por consequência, das distintas religiões, para isso, vem-se lutando junto às classes políticas, em prol da promulgação de leis que venham regulamentar tais ações afirmativas.

Referências

BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 30 jul. 2009.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 mar. 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm>. Acesso em: 30 jul. 2009.

MUNANGA, K, K. GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil hoje. Coleção Para Entender, São Paulo: Global, 2006.