sábado, 4 de maio de 2013

O fantasma do poder evangélico - Escrito por Luiz Manfredini

Espaço Aberto - O fantasma do poder evangélico


Publicado em Quinta, 11 Abril 2013 20:25

Escrito por Luiz Manfredini

Observadores do atual cenário político brasileiro vêm percebendo, no imbróglio resultante da eleição do Deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a Presidência da Comissão de Direitos Humanos e de Minorias da Câmara Federal, algo mais do que as posições racistas e homofóbicas em si mesmas do parlamentar, que é pastor evangélico.

Trata-se, como escreveu o jornalista Jânio de Freitas em sua coluna na “Folha de S. Paulo”. do “primeiro embate relevante em que os evangélicos se põem como um novo bloco orgânico, ideologicamente bem definido e poderoso”.

Segundo o pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda, mestre em teologia pela Universidade Metodista e que se considera um dissidente do fundamentalismo evangélico, o movimento neopentecostal – o que mais cresce no Brasil – “se expande com um projeto de poder e imposição de valores” com o objetivo de ser maioria e “cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República”. Para Gondim, “seria a talebanização do Brasil”.

Jânio de Freitas vai no mesmo sentido quando afirma, em seu artigo, que “nenhum segmento político está em mais condições de crescer, nas eleições do ano próximo para o Congresso, do que os evangélicos”. É o caminho para uma república teocrática, avessa à tolerância religiosa dos brasileiros, e inusitada ameaça à laicidade do Estado.

Atual porta-voz desse fundamentalismo, o deputado Marco Feliciano torna-se cada vez mais agressivo, a despeito das manifestações que não cessam contra sua permanência à frente da Comissão de Direito Humanos. É claro que boa parte dessa postura alimenta objetivos eleitorais. O próprio partido a que pertence, o Partido Social-Cristão (PSC) prevê que, ao radicalizar o discurso, Feliciano poderá triplicar os 211 mil votos que obteve em 2010.

O vertiginoso crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais no Brasil, que Ricardo Gondim considera “filho direto do fundamentalismo norte-americano”, é fenômeno óbvio e certamente objeto da atenção de estudiosos. Beneficiadas por uma legislação que os cumula com benesses várias, particularmente a isenção de impostos, vicejam no vácuo deixado pela igreja católica, de há muito órfã da Teologia da Libertação (que reunia os pobres, lhes conferia consciência e os instava a lutar por direitos coletivos) e em meio a uma sociedade crescentemente individualista que se apraz com um tipo de igreja de resultados, voltada à solução de situações concretas, migrando de uma para outra conforme sua conveniência. E nesse universo, utilizando à larga as modernidades midiáticas, destilam sua concepção fundamentalista, atrasada, preconceituosa, sepultando qualquer traço de racionalidade.

Não é intenção deste exíguo artigo examinar as origens, a natureza e o papel dessas igrejas e da religiosidade com a qual operam no campo da construção ideológica no mundo contemporâneo, mas apenas refletir, ainda que com muita brevidade, sobretudo a respeito das articulações desses movimentos em direção ao poder político. Dos púlpitos ao Congresso Nacional, conformando bancadas cada vez mais numerosas e influentes, essas correntes evangélicas alimentam o bloco da direita e com ele marcham no sentido de bloquear qualquer iniciativa minimamente progressista, parta de onde partir.

Há mesmo, repetindo o pastor dissidente Ricardo Gondim, “um projeto de poder e imposição de valores”. E com força crescente. Cada vez mais agressivo, o deputado Marco Feliciano já fala em mobilizar milhões. Em seus cálculos, 50 milhões. "Se é para gritar, tem um povo que sabe o que é grito. [...] Nós (evangélicos) sabemos qual é o poder da nossa fé”, brada, dizendo-se perseguido pelas manifestações contra sua manutenção na Presidência da Comissão de Direitos Humanos. Ele força a visão de que está em curso uma guerra contra os evangélicos, uma guerra – é claro – movida pelo Satanás, pretendendo com isso levantar milhões em defesa da fé supostamente ameaçada.

A própria comissão foi acusada de vínculos com o demônio, ao menos até Marco Feliciano, “um pastor cheio de espírito santo”, como ele próprio se definiu, aportar na Presidência. Pura agitação política, o disparate provocou protesto até da deputada Antônia Lúcia, do PSC acreano, também evangélica e vice-presidente da comissão. "Em respeito à minha própria pessoa, ao meu trabalho como parlamentar, eu não aceito uma declaração dessas. Eu acho que nós temos que separar igreja de Parlamento", disse a parlamentar.

Mas o fundamentalismo, irracional que é, não se detém. Feliciano, que considera que o Brasil vive “uma ditadura gay”. Ao defender-se numa ação protocolada no Superior Tribunal Federal, que o acusa de discriminação sexual e racial, Feliciano negou der homofóbico e racista, mas confirmou, com base na bíblia, sua visão de que sobre os povos africanos recai uma maldição divina proferida pelo personagem Noé. Interpretações como essas já serviram de base para manifestações racistas no Brasil e nos Estados Unidos no século 19.

E assim vão as coisas, com notícias diárias sobre esse embate. Os protestos são generalizados, tanto nas redes sociais, quanto no próprio Congresso. Dias piores virão. No Facebook, uma mensagem de apoio a Feliciano mereceu 1.716 compartilhamentos, sendo curtidas por mais de 500. As forças progressistas devem se preparar uma dura luta pela hegemonia, ao menos pela neutralização dessa avalanche de conservadorismo.


* Jornalista e escritor em Curitiba, representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois e é autor de “As moças de Minas”, “Memória de Neblina”, “Sonhos, utopias e armas” e “Vidas, veredas: paixão”.



Sugerido por Dulce Leda Montenegro





sábado, 13 de abril de 2013

A liberdade de expressão: do fundamentalismo religioso ao discurso do ódio.

Um fato na política nacional tem chamado a atenção de boa parte da população brasileira: a eleição do deputado-pastor Marco Feliciano, do Partido Socialista Cristão de São Paulo (PSC-SP), que também é pastor fundador da Igreja Assembléia de Deus Catedral do Avivamento, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara de Deputados.

Desde a eleição do referido político, grupos organizados sob a égide da defesa dos direitos humanos têm se manifestado publicamente (caminhadas, marchas, reuniões, apitaços, entrevistas, declarações públicas, cartas abertas etc) pela renúncia do pastor-deputado, sem contar, parte da classe artística nacional, instituições religiosas (cristãs e não-cristãs), conselhos de igrejas (CONIC), políticos de diversos partidos, grupos LGBT, grupos ligados aos movimentos negros, entre outros. Tudo isso sem surtir o efeito desejado, pois Feliciano continua na função e já declarou que não renunciará, garantindo-se no fato de que sua eleição atendeu aos ritos regimentais internos da Câmara dos Deputados e não fere, o regimento interno, nem as leis, nem a Constituição Federal.

 Mas qual seria o motivo de tanta rejeição por parte da sociedade, para com o deputado-pastor Marco Feliciano eleito legalmente? Seria pelo fato de ele ser evangélico? Pelo fato de ser pastor? Se fossem esses os motivos, o que levaria outros sacerdotes evangélicos e outras denominações cristãs a pedir a renúncia daquele político?

Parece que o que está em jogo é o conflito de direitos fundamentais. De um lado a “liberdade de expressão” e  de outro lado a “dignidade da pessoa humana” refletida nos direitos das minorias, as quais a CDHM tem a missão constitucional e regimental de proteger. O estopim da crise está no fato de o pastor-deputado ao tempo que exercita sua liberdade de expressão praticar um “discurso agressivo e incitador ao ódio” para com determinados grupos (homossexuais, mulheres, candomblecistas, umbandistas e negros) considerados minoria da população e, portando, objeto dos trabalhos daquela comissão, presidida por Feliciano.
O pastor-deputado tem pregado nos púpitos das igrejas, nos microfones do Congresso Nacional e nas entrevistas para TV e rádios, idéias consideradas discriminatórias contra tais minorias, contribuindo para o desenvolvimento de um discurso do ódio (idéias racistas, homofóbicas, sexistas e de intolerância religiosa). É notório, que o parlamentar em questão, detentor de um discurso fundamentalista-religioso  ultraconservador está a serviço dos interesses da “bancada evangélica” no Congresso Nacional, que organiza-se em vista de uma ação política com interesses específicos de cunho conservador, contra o secularismo do estado, o pluralismo, a racionalidade e o liberalismo, portando-se ainda, como detentores de uma verdade considerada sagrada e superior a qualquer outra lógica.  

Portanto, que tal acontecimento venha servir para a discussão sobre os limites das liberdades, pois estas, não são absolutas, possuem seus limites. No momento que a liberdade de expressão é exercida provocando o desencadeamento ou a incitação ao racismo, aos preconceitos e à intolerância religiosa, referindo-se na maioria das vezes às minorias, esta liberdade transforma-se em “discurso do ódio”, pois configura-se através de palavras que tendam a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça,  cor, etnicidade, nacionalidade, sexo, sexualidade ou religião ou que têm a capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”.

Referências bibliográficas:

ORO, Ivo Pedro. O outro é o demônio: uma análise sociológica do fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1996.

TEUN, A. Van Dijk. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2008.

MEYER-PFLUG, Samanta Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.